O que aprendemos com as pandemias que já passaram?
Estudos de pesquisadores ao redor do mundo retratam como ficaram os cenários econômicos
Quadros epidêmicos acometeram de forma grave todo o mundo em diferentes momentos. Para tentarmos vislumbrar o que nos aguarda com o crescimento do Coronavírus, trazemos aqui uma breve análise de quadros econômicos de duas grandes epidemias que ocorreram no último século.
A experiência mais recente: SARS em Hong Kong (2003)
A epidemia do SARS (Síndrome Respiratória Aguda Grave, em português) teve o início em Guangdong, província da China, em novembro de 2002. Os primeiros casos confirmados em Hong Kong ocorreram em fevereiro de 2003, com picos da doença entre março e abril e diminuição do surto entre maio e junho. Mas, o que aconteceu com a economia nesse período? O gráfico abaixo mostra como o PIB real e o desemprego se comportou antes, durante e depois do surto de SARS na região.
O gráfico acima nos mostra que o PIB (linha azul) caiu vertiginosamente durante toda a epidemia, ficando cerca de 5% a 6% abaixo da tendência esperada (linha pontilhada cinza) em abril e maio, enquanto o desemprego aumentou 1,3 p.p., saindo de 7,4% para 8,7%. Contudo, uma vez passada a crise, o PIB conseguiu rapidamente voltar à tendência pré-epidêmica, enquanto o desemprego levou alguns meses a mais para se recuperar. Ao final, o efeito do SARS na economia, medido pela diferença entre o PIB real e o tendencial desse período, representou uma queda de 1,75% do PIB anual.
Trazendo o foco agora para o mercado imobiliário, o próximo gráfico apresenta o índice real de preços de imóveis residenciais (compilado pelo Bank for International Settlements, 2020) como um percentual relativo à Novembro de 2001, bem como o número de transações imobiliárias residenciais secundárias, sem ajuste sazonal, da Midland Realty (2020).
Quando a epidemia do SARS chegou a Hong Kong em fevereiro de 2003, o mercado imobiliário local já apresentava uma tendência de queda no preço dos imóveis (linha pontilhada cinza). De fevereiro a maio de 2003, o volume transações ficou 33% abaixo da média do mês de janeiro do mesmo ano, mas logo se recuperaram ao fim da crise, em julho. Por sua vez, o preço dos imóveis caiu 1,9% abaixo do esperado para maio, mas também logo se recuperaram. É importante ressaltar que essa queda de preços pode ter ocorrido pela tendência de mercado e não necessariamente pela crise de SARS.
Em estudo realizado por Wong (2008) encontra-se conclusões parecidas quanto ao comportamento dos preços. Baseado em dados de transações de diferentes estados, a autora concluiu que o início da SARS coincide com uma queda de 1,6% nos preços dos imóveis versus a tendência pré-epidemia. O destaque aqui fica para a forte queda no número total de transações no período, que chegou a 72% desde o início da epidemia. Wong explica que este padrão (pequena redução nos preços e queda considerável das transações) demonstra o sentimento dos consumidores de “esperar para ver o que vai acontecer”, significando que evitam interação social e adiam a compra para o fim da epidemia.
Influenza
Além dos estudos feitos sobre a SARS, há extensa produção literária sobre os efeitos da epidemia do Influenza. O Congressional Budget Office (2006) fez um extenso compilado desses estudo e pode, a partir disso, prever as perdas econômicas em cenários mais brandos e mais graves. No primeiro caso, a queda da atividade econômica foi de 1% do PIB (como em 1957 e 1968) e no último de 4,5% do PIB. Apesar disso, assim como verificado nos dados pós epidemia de SARS em Hong Kong, o CBO previu rápida recuperação econômica ao fim da epidemia em ambos os cenários.
No geral, os estudos sobre os efeitos da epidemia de influenza ao redor do mundo estimam uma perda de aproximadamente 5% a.a no PIB. A título de exemplo, ao analisar o cenário da CBO com interrupções no comércio, Cooper (2006) antevê uma queda de até 6% no PIB americano. Por outro lado, o Reino Unido perderia de 0,6 a 2,5% do PIB em um cenário leve da epidemia, de 4,5 a 6% nos piores, de acordo com um estudo de outro grupo de pesquisadores.
Garret (2007) evidenciou fortes efeitos econômicos em 1918 como, por exemplo, em Little Rock, onde a queda do comércio foi de 40 a 70% nas vendas durante a pandemia, assim como em Memphys, onde os trabalhadores foram induzidos a pararem suas atividades. De forma geral, as paralisações correspondem à queda mensal da produção industrial numa taxa de 9,5%. Além disso, Boletins do Federal Reserve da época, relataram interrupções significativas no comércio varejista (até um terço a menos em certos momentos) e, principalmente, em atividades não essenciais.
Primeiros indicadores dos efeitos da epidemia de COVID-19 no mercado imobiliário chinês
Dados extraoficiais de Brown (2020) para o Marketwatch indicam que o preço médio dos imóveis se manteve estável de dezembro a janeiro (+0,27%), apesar do número de transações ter caído mais de 90% no período. Este episódio ilustra bem o comportamento de “esperar para ver o que acontece” constatado em outras epidemias – os consumidores “pausam” as suas vidas e deixam de lado a procura por imóvel e a assinatura de contratos.
Um relatório de 2020 do Goldman Sachs mostra dados detalhados do episódio na China. Este relatório corrobora as conclusões de Brown – as transações de imóveis quase que cessam devido o comportamento de “distanciamento” adotado pela população (que em muitos casos são impulsionados por políticas públicas).
Os estudos analisados dão parâmetros das perdas causadas por epidemias. A literatura e os dados, no entanto, também mostram que o tamanho do tombo pode variar muito, seja por região (áreas mais ou menos afetadas) ou por setor da economia – em época de epidemias, as pessoas tendem a evitar atividades consideradas não essenciais, o que faz serviços e bens semiduráveis terem quedas significativas. As quedas também estão atreladas às políticas publicas adotadas, como por exemplo a suspensão de determinadas atividades e isolamento social. A retomada, no entanto, tende a ser mais rápida que as verificadas em cenários de crises comuns. Os sinais passados nos dão esperança de que o mercado se comporte de forma semelhante conforme no atual cenário do COVID-19.
Texto original: Zillow Research
Tradução e adaptação: Amanda Bueno
Revisão: Deborah Seabra
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