Depois da crise vem a construção

Semanas atrás, andar pelas ruas de São Paulo e não olhar para o céu e ver guindastes hasteados e pessoas aglomeradas trabalhando nos canteiros de obra era quase impossível. Os canteiros se multiplicavam, fruto do início de um ciclo de negócios pro-cíclico. O que ninguém poderia prever é que o ciclo de recuperação e ascensão durasse tão pouco. Estudos de ciclos econômicos são muito comuns em Economia. Muitos economistas estão interessados em saber o que leva a economia a desviar da tendência de crescimento. Muitas são as respostas, desde impulsos produtivos, passando por choques de tecnologia e rigidez de preços. Independente do motivo, o que se vê é que os ciclos de contração e expansão são inerentes às economias.
Os anos 90 no Brasil foram marcados por uma série de questões econômicas que contribuíram com ciclos de contração e instabilidade da economia brasileira: hiperinflação, impeachment e alternância de presidentes, criação de uma nova moeda, crises fiscal e cambial (México, Ásia, Rússia e Brasil). As questões desestabilizadoras não se apequenaram porque o tão esperado século XXI chegou, mas assistimos em 2001 o apagão energético brasileiro, a queda das torres gêmeas em Nova York e sentimos o efeito-contágio da crise cambial argentina. Foram 11 anos difíceis, mas que forneceram como herança muitos fundamentos essenciais para a macroeconomia na década seguinte: fim de alguns monopólios estatais, mudança no tratamento do capital estrangeiro, saneamento do sistema financeiro, reforma parcial da Previdência Social, aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, criação de agências reguladoras (Anatel, ANP, Aneel, etc.) e plano de metas de inflação como instrumento de política monetária.
Em períodos de crise a sociedade aprende a inovar, a lidar com as restrições impostas pela conjuntura e estrutura. Não sem custo, obviamente, mas os anos 90 estão aí para mostrar que muitos fundamentos criados estão em vigor até hoje contribuindo para a estabilidade da economia brasileira. As medidas estruturadas na década forneceram espaço para uma expansão econômica no período seguinte, associadas com alterações correntes. Muitos setores foram beneficiados, entre eles o setor da construção civil, sendo protagonista no processo de crescimento e desenvolvimento econômico.
Avaliando o comportamento da participação do setor da construção civil sobre a renda (VA) e o produto nacional bruto (VBP), o Gráfico 1 apresenta a participação do VBP do setor da construção civil no VBP total e a participação do VA do setor da construção civil no VA total. Percebe-se que o setor da construção, a partir de 1998, inicia um processo de perda da participação relativa tanto no valor bruto da produção quanto na renda nacional bruta. A partir de 2003 o setor volta a ganhar participação relativa, revertendo a tendência de queda.
Gráfico 1: Participação relativa do setor da Construção Civil na produção e renda nacional
O Gráfico 2 evidencia o claro padrão esperado do setor da construção civil em relação aos demais setores no que diz respeito ao investimento, isto é, alta contribuição na formação bruta de capital fixo. É possível dividir em dois grupos os setores que contribuem na formação bruta de capital fixo no Brasil: a) o setor da construção civil e b) os demais setores. No período de instabilidade (1995-2002) que o mundo passou, é possível perceber queda da participação relativa do setor, invertendo essa tendência somente a partir de 2003, i.e., com o fim da instabilidade macroeconômica.
Gráfico 2: Participação setorial na formação bruta de capital fixo
Desde meados dos anos 1990 até o fim da primeira década dos anos 2000 é possível notar dois períodos distintos para a construção civil. Primeiro, entre 1995-2002, em que se observou alta instabilidade macroeconômica, como falei acima, resultando em perda de participação relativa do setor na economia brasileira.
O segundo período (2003-2009) marca a reversão da trajetória de crescimento de participação relativa do setor na produção, na renda bruta e no investimento. Destaca-se nesse período o aumento dos investimentos públicos que dinamizaram o setor da construção civil. Tais investimentos estão, em grande monta, atrelados ao desenvolvimento em infraestrutura, principalmente na construção de rodovias, como o trecho Belo Horizonte – São Paulo – Curitiba-Florianópolis, BR-232, BR-230, BR-174 e BR-317, justificada pela baixa resposta da privatização das rodovias. Houve também intervenções de política pública com vista ao desenvolvimento de infraestrutura no Brasil, como, por exemplo o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Esse plano teve como mote o investimento em infraestrutura: construção de estradas, ampliação de portos e aeroportos, construção de usinas hidrelétricas e ampliação da rede de saneamento. Outro ponto importante de estímulo nesse período foi o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), iniciado em 2009, cujo incentivo se deu no subsetor de habitação, via liberação de crédito direcionado e subsídio por parte do governo para aquisição de moradia, criando uma elevação da produção das construtoras especializadas. É importante notar que esse programa permanece até os dias atuais.
O setor da construção é relevante para o crescimento e desenvolvimento econômico, pois se trata de uma indústria motriz em várias economias no mundo, principalmente para países em desenvolvimento como Brasil, Rússia, China, África do Sul, como discuti em artigo publicado em maio/2016 para Ensaios Fundação de Economia e Estatística. A importância do setor está associada à sua cadeia produtiva que é longa e apresenta forte encadeamentos para trás, i.e., demanda muitos produtos de vários outros setores.
A lição que fica é que após um período de instabilidade macroeconômica, o setor passa a ser demandado devido à carência dos produtos que derivam desse setor, seja como fonte de infraestrutura seja como fonte de moradia. A “crise do Coronavírus” não será diferente das demais crises ou instabilidades econômicas que passamos ao longo da história e certamente deixará seu legado e mudanças institucionais relevantes. Essa crise em específico deixará como aprendizado, entre outros, a necessidade de ampliação de rede de proteção aos mais vulneráveis. A ampliação dessa rede deverá necessariamente passar, entre outros, pelo provimento de saneamento básico e de habitação social. Esses bens são exatamente componentes da construção civil.

Artigo escrito por
Rodger Barros Antunes Campos, economista senior da DataZAP