A crise e suas oportunidades no mercado imobiliário
As consequências econômicas associadas à pandemia do novo Coronavírus já são uma realidade no Brasil. O isolamento social, até aqui visto como a melhor medida de combate ao espalhamento rápido da doença, ainda não tem previsão certa de ser encerrado, e ninguém sabe ainda como a economia irá se recuperar no período pós-covid-19. A crise já está instaurada, e suas consequências negativas já estão sendo sentidas, analisadas e em parte combatidas por governos e nações ao redor do globo.
O fato é que crises da economia, causadas pelos mais diversos motivos, sempre existiram, e sempre irão existir. E cada uma delas trouxe consigo efeitos adversos no emprego e da renda, mas também oportunidades. Oportunidades para empresas se reinventarem, modificarem produtos, criarem e aderirem a novas tecnologias, disputar novas fatias de mercado. Para consumidores reverem padrões comportamentais e tendências de consumo. Dentre diversas outras. O passado recente brasileiro é rico em exemplos deste tipo de oportunidade – e infelizmente também em crises -, e nos mostra como o bom aproveitamento destas pode muitas vezes reverter os efeitos negativos para algumas empresas e consumidores, ou no mínimo fazer com que nos tornemos mais eficientes quando o ciclo de baixa se encerra.
O Plano Real e os efeitos na produtividade das empresas brasileiras
No campo macroeconômico, durante a primeira metade dos anos 90, a economia brasileira vinha de um passado recente de hiperinflação e recessão, e o plano real foi implementado a fim de estabilizar os preços e criar condições favoráveis a negócios de longo prazo na economia. Tal estabilização foi pautada, dentre outras coisas, na maior abertura comercial internacional do país, que havia se aprofundado nos anos anteriores a 1994, e no que os economistas chamavam de âncora cambial, que consistia em fixar o valor do dólar frente ao real, com queima de reservas pelo governo brasileiro para manter esta taxa fixa. A intuição deste plano de estabilização era simples e direta: com a concorrência de produtos internacionais a preços estáveis, e sem variação cambial, tornava-se muito difícil para empresas nacionais subirem seus preços, já que isto lhes faria perder fatias de mercado para a concorrência estrangeira. Com isso, os preços dos bens e serviços pararam de subir freneticamente, como ocorria há mais de uma década no país.
Mas a que custo? Inúmeras empresas brasileiras quebraram, nos mais diversos setores da economia, pois agora a nova concorrência não permitia mais que estas remarcassem para cima os preços de seus produtos, enquanto seus custos continuavam em alguma medida a acompanhar a alta a inflação da época. Até mesmo o setor bancário, em geral mais resiliente, viu alguns dos maiores bancos do país fecharem suas portas. Para combater a inflação, o Brasil precisou gerar uma espécie de crise pautada na concorrência internacional, o que fez empresas domésticas quebrarem e gerou muitas consequências negativas profundas e imediatas ao setor privado.
Com tudo isso, também vieram as oportunidades. Cada setor neste período foi forçado a implementar verdadeiras revoluções internas, em maior ou menor medida, a depender do tamanho dos efeitos da crise. Enquanto algumas empresas fechavam as portas, outras aderiam a novas tecnologias, modificavam seus produtos, buscavam novos nichos de demanda, sobreviviam como conseguiam. E a custosa estabilização que veio a seguir transformou estas sobreviventes em líderes de seus segmentos. Nesta nova realidade, quem aproveitou melhor as oportunidades que as mudanças trouxeram se tornou mais produtivo e eficiente, e agora conseguia concorrer com qualidade com os produtos internacionais, que ironicamente foram fundamentais para a estabilização.
Mercado imobiliário: oportunidades e aprendizados dos últimos anos
No mercado imobiliário, a história não é diferente. Cada crise sempre trouxe consigo oportunidades de mudanças e novos ganhos relativos. Nos últimos 5 anos, o mercado brasileiro passou por uma das piores crises do setor e as consequências foram sentidas de maneira ampla pelos seus diversos segmentos. Em média, a demanda apresentou baixo crescimento no período, o que fez com que as transações ocorressem em ritmo relativamente lento, e os preços de maneira geral ficassem estagnados, em termos nominais. Porém, mais uma vez, as oportunidades surgiram e aqueles que as aproveitaram se deram bem, em plena crise.
Por exemplo, durante este período, algumas empresas apostaram em produtos que atendessem as necessidades de novos grupos de consumidores que surgiam, independentemente do padrão mercadológico previamente existente. No mundo todo, jovens vinham ganhando importância enquanto consumidores de imóveis, com preferências bastante distintas das gerações anteriores e mais tradicionais: a procura por aluguel ganhou força frente ao tradicional “sonho da casa própria”, cresceu a demanda por imóveis mais bem localizados (em geral nas regiões mais centrais das grandes capitais, onde está o emprego) e mais compactos. A tecnologia ajudou também, trazendo novas modalidades de transporte que modificaram o perfil dos imóveis desejados pelos consumidores, pela redução dos custos de deslocamento entre trabalho e moradia. Inovações nos métodos de financiamento e funding do crédito imobiliário também ocorreram em boa quantidade do Brasil.
Certamente a crise foi mais branda – ou até mesmo positiva – para quem aproveitou estas novas tendências de mercado, e tecnologias. Incorporadoras que passaram a investir na construção de imóveis compactos, e em regiões centrais tiveram menos queda em suas receitas, ou até mesmo aumento destas. Imóveis com estas características perderam menos valor do que imóveis maiores e mais periféricos. Bancos e agentes do setor financeiro criaram novos métodos de financiamento, que alavancaram o setor em anos subsequentes. No segmento de aluguel, novas maneiras de transacionar imóveis foram criadas, todas menos burocráticas e mais digitais, e empresas que dominaram tais tecnologias mais cedo se consolidaram. E graças a tudo isso, hoje temos um mercado imobiliário no Brasil muito mais moderno e em linha com o restante do mundo, do que cinco anos atrás.
E agora, quais são as oportunidades?
As oportunidades ligadas à pandemia e ao isolamento social já estão surgindo. Mas como identificá-las e aproveitá-las? Para isto, é preciso se munir de muita informação, conhecimento, dados, análise, atenção aos detalhes, e alguma disposição para correr riscos, afinal, não existe almoço grátis. Primeiramente, a fim de identificar potenciais oportunidades no mercado imobiliário, precisamos segmentar e detalhar o mercado em seus nichos. Isto porque em média, são esperados efeitos sobre preços e transações em todos os nichos deste mercado, mas é certo que o tamanho e sentido destes deve ser distinto para imóveis residenciais ou comerciais, novos ou usados, nos mercados de aluguel ou venda, para imóveis pequenos ou grandes, e assim por diante. Alguns destes nichos podem até ver preços e transações subirem durante o período de crise, a depender das dinâmicas e correlações entre oferta e demanda destes.
Para os imóveis comerciais, por exemplo, esperamos que os efeitos negativos da crise sejam mais duros e diretos. Com o distanciamento social, há menos atividade econômica, e com isso, maior desemprego e queda na renda das famílias. Assim, é de se esperar que as empresas e escritórios tenham maior dificuldade em honrar compromissos de aluguel durante o período. Deve crescer a inadimplência e a pressão por reduções nos valores já contratados. Os segmentos imobiliários mais ligados ao varejo (shopping centers e comércio de rua) são os que já sentem os sinais mais rápidos da crise, e devem continuar a figurar entre os mais afetados enquanto durar a quarentena. Escritórios e lajes devem sofrer menos, pois não dependem tanto do movimento comercial, mas também haverá menor procura neste mercado enquanto muitas pessoas ainda estiverem trabalhando de suas casas. Consequentemente, também deve haver queda de preços e transações, ainda que em menor velocidade e volume. Ainda neste nicho, devemos observar primeiramente a queda nos preços de aluguel, seguidas pela depreciação dos preços de compra e venda, já que a aluguéis mais baratos, os imóveis comerciais também se tornam menos atrativos enquanto investimentos.
Já para o segmento residencial, que também sofrerá impactos negativos em média, a queda no volume de transações e preços deve ser menos acentuada. Pautamos esta expectativa no fato de os efeitos da crise serem menos diretos para este segmento, uma vez que a restrição à circulação afeta mais rapidamente os setores que ocupam os espaços de locação comercial (lojas, shoppings serviços), enquanto a necessidade básica de moradia sustenta mais firmemente a demanda residencial, em especial no mercado de locação. Neste aspecto, pode surgir um primeiro tipo de oportunidade: para fins de investimento (compra de um imóvel para fins de rendimentos do aluguel), imóveis residenciais devem se tornar relativamente mais atrativos do que os comerciais durante o período de crise, caso a expectativa de menor queda dos preços de aluguel residencial se confirmem. É claro que tal oportunidade não se dará de maneira homogênea entre tipologias e regiões, e a busca pelos melhores nichos neste sentido pode trazer ganhos maiores.
Esta primeira oportunidade pode se tornar ainda mais ampla, quando levamos em conta o momento e estrutura atuais do mercado brasileiro. Atualmente, fundos de investimento imobiliários no país são essencialmente formados por carteiras de imóveis comerciais. O motivo principal é que historicamente, em média, as taxas de retorno do aluguel residencial eram mais baixas do que a de outros ativos de renda fixa e variável, a níveis semelhantes de risco. Porém, este quadro já vinha lentamente se modificando devido à queda das taxas de juros da economia (que reduziram a rentabilidade dos demais ativos), e à recuperação do mercado imobiliário desde a metade de 2019, gradualmente recuperando preços de aluguel e venda. Alguns fundos com carteiras totalmente residenciais já surgiam nas semanas prévias à chegada do novo Coronavírus ao país, e outros estavam se estruturando. Se na crise atual os preços no mercado de aluguel residencial se mostrarem de fato mais resilientes do que os preços de outros ativos (imobiliários e financeiros), certamente haverá espaço para mais investimentos nestes novos fundos e tipos de imóveis, a retornos relativamente mais altos do que em investimentos alternativos. Outros fatores da crise que dão força a esta oportunidade, e que é preciso acompanhar de perto para reduzir riscos, são as incertezas que a crise traz para o rentabilidade dos demais ativos não imobiliários, assim como as boas oportunidades de compra de imóveis num momento de baixa demanda, quando é mais fácil encontrar bons preços e descontos. Pode ser a hora ideal de comprar, neste sentido.
E as oportunidades não serão limitadas apenas a preços, oferta e demanda. Há uma espécie de consenso dentre especialistas que o distanciamento social deve mudar as relações de consumo da sociedade, não apenas causando uma diminuição relativa no volume de transações presenciais durante a crise, mas também permanentemente, devido aos traumas que o quadro atual de contaminação deve deixar. Assim, a maneira como imóveis serão transacionados dificilmente será igual à vigente antes da pandemia. Devemos observar neste e em outros mercados, o aumento do uso de tecnologias digitais e virtuais que apoiem a transação, e empresas que se modernizarem neste sentido deverão observar menor queda em seus volumes de venda, durante e após a crise. E já existem tecnologias a serem aproveitadas: há apps e ferramentas de avaliação online, visita virtual, showrooms, registros imobiliários virtuais, dentre outras. Todas tecnologias em estágios incipientes de desenvolvimento, o que torna a oportunidade ainda mais atrativa. Observar tais tecnologias mais disseminadas e funcionando no mundo desenvolvido também traz uma perspectiva otimista para o mercado imobiliário brasileiro. Outros tipos de oportunidade que têm boa probabilidade de surgirem durante a crise são as relacionadas ao papel estratégico do setor imobiliário na economia. Por ser um setor altamente gerador de empregos, que se distribui bem regionalmente, e que atende a necessidade básica de moradia da população, tal setor é visto como chave pela maior parte dos governos do mundo. E tendo este papel estratégico, é de se esperar que o governo adote medidas e esforços para amenizar os impactos negativos no setor. Tais medidas distorcem o funcionamento regular do mercado, e nestas distorções sempre residem as oportunidades de bons negócios. Um exemplo de tal tipo de oportunidade está relacionado às políticas de subsídio a financiamentos imobiliários que trazem a possibilidade de adiamento do pagamento de parcelas. Se por um lado a medida deve ter efeitos positivos para potenciais compradores que enfrentarão problemas de liquidez e queda de renda durante a crise, por outro também pode servir para aqueles que não enfrentarão tais dificuldades alavancarem seus negócios a custos mais baixos. Políticas de incentivos direcionados a grupos específicos de consumidores ou ofertantes sempre trazem este tipo de distorção acompanhada de oportunidades de ganhos para os agentes, num nível individual, e aqueles que melhor se aproveitarem destas terão vantagens no presente o no futuro.
Por fim, é preciso também compreender a situação da crise atual no detalhe e tentar fazer cenários a fim de encontrar as alavancas de bons negócios. O mercado imobiliário está em constante transformação, e a pandemia em si deve criar novas tendências de consumo e construção, e com estas novamente virão as chances de aumentar e consolidar lideranças para as empresas do setor. Um cenário que aos poucos ganha força e tem se tornado um consenso entre economistas, é uma provável mudança nas preferências dos consumidores de imóveis com relação ao espaço interno e à localização dos imóveis, durante e após a pandemia. É esperado que, mesmo após encontrarmos uma cura ou vacina para a covid-19, imóveis com maior espaço interno sejam mais demandados do que o são atualmente, em especial nas grandes cidades. O isolamento social e o longo período de tempo que boa parte da população será obrigada a passar dentro de suas casas explicariam a valorização deste atributo, que provê maior privacidade e, literalmente, espaço individual. Além disso, a tendência recente e global de maior valorização de imóveis em regiões centrais também fica em cheque, num momento em que a proximidade ao centro da cidade (e portanto de onde está o emprego) também significa proximidade aos principais epicentros de espalhamento do novo Coronavírus, e a possibilidade de trabalho remoto avança a passos largos. Se estas duas novas perspectivas se concretizarem ao final da crise, incorporadoras que tenham apostado nestes novos padrões deverão obter vantagem. O mesmo vale para outras tendências de comportamento que possam surgir, e também outros players do mercado. Imobiliárias que se localizarem em regiões com imóveis mais adaptados aos novos padrões de consumo influenciados pela crise, também se aproveitarão melhor desta nova demanda.
Esgotar cada uma das possibilidades que a crise vai trazer, neste momento, é praticamente impossível. Muitas delas ainda devem surgir durante o decorrer da pandemia e seus reflexos. Outras não são tão fáceis de se enxergar agora. Por isso é preciso estar atento, informado, ter coragem e visão clara para não as desperdiçar. E algum otimismo, em meio ao caos.
Sergio Castelani
Fundador e Economista-Chefe da DataZAP