O mercado imobiliário está pronto para voltar a crescer
O setor imobiliário residencial está sendo, assim como outros setores, bastante atingido pela crise econômica derivada da pandemia do novo coronavírus. Por mais difícil que seja o momento, não há por que se desesperar. Existe uma agenda para lidar com a crise que mitiga os danos econômicos e controla a situação sanitária. Com o compromisso das autoridades e da sociedade civil à agenda, a crise cessará e neste momento de transição o setor imobiliário estará pronto para voltar a acelerar.
Já era esperado que a crise também atingisse o setor, afinal, comprar um imóvel é um grande compromisso. O valor mediano do contrato de compra de um imóvel no Brasil é de R$178 mil¹, enquanto a renda média mensal do trabalhador brasileiro é de R$2.261². Ou seja, em média, são 79 meses (6 anos e 5 meses) de trabalho na compra de um imóvel. Se considerarmos que o percentual máximo da renda mensal comprometida com o pagamento do financiamento imobiliário autorizado pelos bancos é de 30%, então são um pouco mais de 19 anos pagando o imóvel.
Claro, a conta acima é uma simplificação: não leva os juros em conta e o comprador já ter um imóvel diminui o esforço financeiro da próxima transação. Mas os números explicitam a importância financeira das transações de venda e compra de imóveis na vida das pessoas. Devido à pandemia o cenário econômico está muito incerto e as visitações comprometidas pelo risco de contágio, dificultando a aquisição de imóveis.
Efeitos da pandemia no mercado imobiliário brasileiro
Em um esforço para entender os impactos da crise do coronavírus no setor imobiliário (como os efeitos da incerteza econômica e a visitação dificultada), a DataZAP, braço de inteligência de dados do Grupo ZAP, realizou uma pesquisa com usuários e anunciantes (corretores, imobiliárias e incorporadoras) dos portais do grupo3. A pesquisa corrobora que a incerteza econômica e a maior dificuldade para visitar têm impactado o mercado. Entre os usuários que buscam um imóvel para comprar, 20% relatam a “insegurança financeira” como a razão para terem mudado o seu processo de busca após a pandemia, seguido imediatamente pela “impossibilidade de visitação” relatada por outros 18%. Paralelamente, 91% dos usuários responderam que acreditam que a compra do imóvel será adiada em pelos menos 4 meses.
Já para o mercado de locação, esperamos um impacto menos negativo do que no de compra e venda. As pessoas continuarão precisando morar, como atesta a mesma pesquisa da DataZAP, na qual “apenas” 55% dos usuários que buscavam um imóvel para alugar responderam que sua locação será adiada em pelo menos 4 meses. Contudo, como parte da população terá sua renda afetada, existirão locatários buscando aluguéis mais baratos. Além de famílias com casa própria vendendo seu imóvel e migrando para locação. Tal possibilidade de substituição é maior no mercado de aluguel, permitindo a possibilidade teórica do mercado de locação de algumas tipologias até aquecer, mas ainda é cedo para previsões nesse nível de precisão.
Pelos efeitos expostos acima o setor imobiliário residencial enfrentará um período de aperto durante o isolamento social. Entretanto o setor deve sofrer menos do que a maioria dos outros pela necessidade básica que é habitar. Adicionalmente o isolamento social deve ter muitas das restrições atuais abrandadas dentro de algumas semanas, o que culminará na recuperação do mercado imobiliário, cuja velocidade dependerá de quanto conseguimos mitigar o impacto da pandemia como sociedade.
Possíveis cenários pós-crise do coronavírus
São dois os principais determinantes, inter-relacionados, da velocidade de recuperação do setor imobiliário: o controle da crise sanitária e a mitigação dos danos econômicos. O primeiro significa que migraremos para o “novo-normal”: um regime em que grandes aglomerações continuam sendo restringidas, mas em que o funcionamento de mais setores é permitido. Se sucedermos também em mitigar os danos econômicos, então mais empresas estarão preparadas para retomar suas atividades, o que fará com que a economia volte a engrenar mais rápido.
Focando particularmente na retomada da atividade econômica, para que seja rápida são necessárias medidas que preservem tantos empregos e empresas quanto possível. Embora não saibamos exatamente quando, é certo que a pandemia passará. Façamos um exercício mental, suponhamos que de um dia para o outro estejamos todos vacinados ao Covid-19. O que mudaria na economia? As pessoas que mantiveram sua fonte de renda voltariam para sua rotina habitual, enquanto aquelas que perderam seu ganha-pão habitual terão que se recolocar no mercado. Se todos mantivessem seus trabalhos, a única diferença na economia seria um incremento na dívida do governo e de algumas empresas, o que diminuiria marginalmente a renda gerada pela sociedade, mas possibilitaria o retorno quase imediato a algo muito próximo ao que estávamos habituados.
No outro extremo está o cenário em que há muitas demissões e falências, com apenas setores essenciais operando antes do dia hipotético em que todos nos vacinamos e podemos voltar imediatamente às ruas. No dia seguinte apenas os poucos que mantiveram sua renda conseguirão consumar suas demandas. Apenas essas pessoas teriam dinheiro para ir a restaurantes e comprar roupas novas, por exemplo. Aos poucos restaurantes e lojas de roupas voltariam a funcionar, empregando parte dos funcionários que empregavam, mas apenas parte, já que só atenderão àqueles que mantiveram sua fonte de renda. Então as pessoas recém empregadas nos restaurantes e lojas de roupa passarão a ter dinheiro para comprar o que desejam. Assim começa um processo mais demorado de empregar pessoas e capital para atender a demanda daqueles que paulatinamente retomam parte de sua renda, em um processo que se retroalimenta. Em algum momento será alcançado o mesmo nível de renda pré-crise, entretanto o tempo para isso é tão mais demorado quanto menos se consegue preservar empregos e empresas.
Infelizmente é pouco realista supor a manutenção de todos os empregos e empresas. Demissões e processos falimentares são quase que inevitáveis, mas podem ser minimizados. As medidas anunciadas pelo governo atacam isso e devemos ter uma recuperação mais rápida do que caso nada fosse feito.
O cenário para o qual caminhamos
Destacam-se como medidas tomadas até agora: o auxílio emergencial, a MP 936 que possibilita a redução de jornada e suspensão do contrato de trabalho, linhas de financiamento para folha de pagamento e medidas para facilitar o crédito. Especificamente para o mercado imobiliário, a Caixa anunciou uma série de medidas de estímulo, como a nova modalidade de crédito habitacional com carência de 6 meses para o primeiro pagamento e R$ 43 bilhões. A Caixa ainda pausou os pagamentos de todos os empréstimos em 90 dias e permitiu reformulação do cronograma de obras sem qualquer prejuízo à construtora desde que a prorrogação máxima para o início das obras seja de até 180 dias.
Saindo do isolamento social para o “novo-normal” as incertezas devem abaixar consideravelmente e a economia deve voltar a engrenar. Haverá menos renda do que imediatamente antes da crise, com certeza. Entretanto teremos diversos outros fatores favoráveis à retomada, especialmente para o setor imobiliário.
A taxa SELIC hoje está na sua baixa histórica de 3,75% ao ano e a mediana das projeções dos analistas5 é de 3,0% no fim de 2020. A taxa SELIC baliza o custo de captação de recursos: quanto mais baixa, mais barato é o custo dos empréstimos. Nos meses anteriores à pandemia, particularmente no 2º semestre de 2019, a trajetória da taxa SELIC foi de queda, até atingir o nível atual. Tal trajetória decorreu da economia fraca no ano e da inflação abaixo da meta na maior parte dos meses. Nesse período a queda da SELIC foi acompanhada por juros mais baixos para financiamentos imobiliários, conforme ilustrado pelo gráfico abaixo – os dados são do Banco Central do Brasil. Com a recessão causada pelo coronavírus, a expectativa é de que a SELIC continue em níveis baixos, com possíveis quedas, possibilitando que os juros de crédito imobiliário permaneçam baixos e até diminuam.
Soma-se aos juros mais baixos, o incentivo governamental já anunciado para o setor e que deve ser aprofundado. Durante a crise do Covid-19 o governo federal já anunciou a manutenção de recursos para o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) e o pacote de estímulo ao setor pela Caixa. Ambas as medidas sinalizam o entendimento do governo do setor imobiliário como estratégico. São duas as razões que fazem o setor especial: habitação adequada tem diversas externalidades positivas e o setor de construção é intensivo em mão-de-obra, o que o torna efetivo no combate ao desemprego.
O gráfico abaixo mostra a correlação entre a criação de emprego na construção civil e a criação total de empregos, evidenciando o setor de construção civil como eficaz para a criação de empregos.
CRIAÇÃO LÍQUIDA DE EMPREGO (CAGED – MTE)
Adicionalmente configura-se um cenário interessante ao fim do isolamento social, que deve estimular a demanda de investidores por imóveis. As famílias estarão demandando liquidez ao fim do isolamento social e o setor financeiro estará provido de bastante liquidez. Liquidez é capacidade imediata de pagamento, vulgo dinheiro no bolso. Durante o isolamento social as receitas de algumas famílias cessam, o que aumenta sua demanda por dinheiro disponível, enquanto o governo se esforça para dar o máximo de liquidez possível para o setor financeiro. É necessário que os bancos tenham dinheiro disponível para emprestar para os demais agentes econômicos para que eles aguentem o período de falta de receitas. Dessa maneira os bancos ainda estarão com liquidez reforçada ao fim da crise. Portanto pode-se esperar maior oferta de imóveis para que as famílias se capitalizem, o que gerará boas oportunidades de negócio. E o setor financeiro estará em condições de aproveitar tais oportunidades.
Retomemos a questão da resiliência do mercado de locação. Como mencionado anteriormente, a falta de dinheiro pode jogar a favor do mercado de locação para algumas tipologias/faixas de renda. Tipologias mais modestas podem ter o rental yield, isto é, o preço do aluguel em relação ao preço do imóvel, elevado pelo coronavírus. Tal movimento seria consequência da falta de dinheiro das famílias, forçando-as para a locação de determinada tipologia, pressionando os aluguéis neste mercado. Portanto, estão a vista taxas de juros mais baixas, alguma queda do preço dos imóveis e a possibilidade de aumento do rental yield, tornando o mercado de locação mais atrativo para investimentos.
Portanto temos 3 principais atenuantes da crise para o setor: as baixas taxas de juros, os estímulos do governo e condições mais propícias para o investimento em imóveis. Nada disso significa que o setor não sente nem continuará sentindo os impactos da pandemia, mas significa que tais impactos estão sendo e serão amenizados. Mas mais do que isso, pela própria importância da habitação na vida humana, também esperamos que o setor volte à sua dinâmica quando findado o isolamento social.
A experiência chinesa e o mercado imobiliário brasileiro no pós-crise
No panorama da DataZAP, que traça o que podemos esperar dos impactos do coronavírus no setor imobiliário6, é avaliada a reação do valor de ações do setor imobiliário chinês após o país controlar a dissipação do vírus. A ideia é observar o que ocorreu na China e tirar lições para o Brasil. Observamos dados do mercado financeiro pois são dados de alta frequência, o que permite acompanhar eventos bastante recentes. Na China, assim que foi controlada a pandemia, o setor imobiliário começou a retomar. O gráfico abaixo mostra o MSCI China Real Estate ETF, que é negociado na Bolsa de Nova Iorque. O MSCI China Real Estate ETF é um índice que reflete a valorização de uma carteira de ações de empresas chinesas do setor imobiliário, ou seja, o índice retrata o desempenho geral do mercado imobiliário chinês.
O gráfico acima nos mostra que uma vez que os novos casos de Covid-19 ficaram estáveis em um nível bastante baixo, pouco demorou para que o índice de desempenho do setor imobiliário, MSCI, voltasse a um nível próximo do que estava no fim de janeiro. Faz sentido esperar um movimento de recuperação no Brasil como ocorreu na China. Ainda mais levando em conta que 2019 foi um ano de aceleração para o setor no Brasil. Segundo o índice Abrainc-Fipe, que reúne resultados de 20 grandes incorporadoras que atuam em todo o país, o número de lançamentos aumentou 11,6% em 2019 e o valor das vendas, 5,7%.
A crise do coronavírus é séria. O isolamento social traz uma série de dificuldades, entre elas a econômica. Contudo, a crise há de passar. Mesmo nesse cenário sem vacinas ou remédios eficazes no curto prazo, existe uma agenda capaz de diminuir os danos da crise e coordenar um afrouxamento seguro das regras de distanciamento, de forma que possibilite uma recuperação econômica célere. Tanto durante a crise quanto na retomada, o setor imobiliário estará numa posição relativamente privilegiada. Aqueles que conseguirem enfrentar melhor a crise e se prepararem para o reaquecimento do setor serão beneficiados com uma maior parcela de mercado no pós-pandemia.
Pedro Henrique Tenório
Economista da DataZAP
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Referências
1 Segundo índice do Banco Central do Brasil, BCB, referente à jan/20
2 Renda habitualmente recebida segundo a PNAD Contínua referente ao 4º trimestre de 2019
3Pesquisa Impactos do Covid-19 no Mercado Imobiliário: https://todosportodos.grupozap.com.br/estudos/pesquisa/
4 Relatório Focus de 17/04/2020: https://www.bcb.gov.br/content/focus/focus/R20200417.pdf5 Panorama do Mercado Imobiliário: https://todosportodos.grupozap.com.br/estudos/panorama/
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